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O Sobrinho-Neto da Guerra

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Desenterrado o santo beato em exumação de cadáver, deixaram o seu corpo santo para curiosidade de ser visto por todos. De repente, um dos que estavam na mesma fila mórbida que Luís Galdino, começou a cantar uma das ladainhas aprendidas durante a longa caminhada do santo peregrino até a chegada à fazenda semiabandonada de Canudos, que, após a reforma da meia capela, meio igreja em ruínas de desabamento, deu-se início a tão sonhada cidade do Belo Monte, a terra que o beato prometera e cumprira com exatidão de promessa feita, a ladainha foi-se aumentando em voz e no tom, todos os sertanejos não deixaram de cantar, até as crianças mais grandes, os meninos e as meninas maiores, os velhos e as velhas em vozes de quase não mais se escutarem, numa mastigação de palavras, e a vontade do Sargentiotônio de também acompanhá-los na cantoria, na bela homenagem que faziam ao pai bom Jesus, e a música invadiu o Belo Monte de tal forma que os soldados, todos, sem combinação, baixaram os olhos em respeito àquela figura santa, que todos, no fundo de sua alma, sabiam que era santa. Só depois, quando a música foi cessando, parando por terminar com uma Ave-Maria e com um Pai-Nosso, só depois que o comandante-em-chefe ordenou que o fotógrafo Flávio de Barros tirasse o retrato do beato, que mais parecia estar vivo do que morto, para confirmação de morte. Sargentiotônio Clemente, ao chegar para mais perto e ver o corpo do Beatantônio Conselheiro estendido sobre o chão sagrado do Belo Monte, sentiu uma mão pousando sobre a sua cabeça como a lhe abençoar, para depois fazer um sinal da Cruz e rezou por sua alma, pedindo a Deus que um dia o fizesse encontrar novamente com o santo beato, para finalmente viver junto ao seu lado.

REF: 9786580360451Autor: Gênero: , , , ,

Descrição

A obra Sobrinho-Neto da Guerra é construída em cima da Guerra de Canudos, que foi a mais sangrenta guerra que houve no Brasil. As investidas do exército sobre Belo Monte (Canudos) causaram a morte de mais de vinte e cinco mil pessoas, entre sertanejos (em sua maioria) e soldados. Imortalizada em clássicos como Os sertões, de Euclides da Cunha, e A guerra do fim do mundo, de Mario Vargas Llosa, agora, em Sobrinho-neto da Guerra, Canudos volta a ser assunto nesse romance de Alexandre Azevedo.

Tendo como um dos narradores Tenentiotônio Clemente, um aficionado por histórias de guerras, vai contando o que viu e ouviu sobre a guerra de Canudos. Convocado para integrar a quarta expedição, sente orgulho de ser militar, mas nutre uma admiração ainda maior por Antônio Conselheiro e sua gente. Ao mesmo tempo vai desvendando o mistério que cerca a origem de seu sobrinho-neto, José Clemente. Numa linguagem em que notamos a presença de Guimarães Rosa e José Saramago, o romance não dá trégua ao leitor. Do mesmo jeito que os sertanejos do Conselheiro não deram aos republicanos.

O relógio da saudade / anda batendo nas
horas / só quem não ama não sente /
quando meu bem vai embora. / Quando
meu bem me visita / se estou doente e
melhoro / repito a mesma doença /
quando meu bem vai embora. / Minuto
se parece hora / hora se parece dia / dia
se parece ano / quando meu bem vai
embora

– Segundo Zefa Maciel, parente de
Antônio Conselheiro, em depoimento ao
documentário de Antônio Olavo – Paixão
e Guerra no sertão de Canudos, 1993 –
esse é um dos seus poemas.

Esse romance é em homenagem aos 120 anos da obra Os sertões (1902-2022), de Euclides da Cunha.